Edição 9 - Port - Amazônia - Brazil

O som não vem do palco, mas de todos os lugares e de lugar nenhum. Ele

goteja da cúpula pintada com anjos e desce pelas colunas retorcidas. Logo

depois, um grave ressonar preenche a plateia, uma vibração profunda que

parece emanar do próprio assoalho: a comunicação subaquática de um

boto cor-de-rosa. A percussão miúda da chuva sobre as folhas largas de

uma samaúma cria uma tapeçaria rítmica. Não há orquestra, apenas o

pulso bruto da floresta ocupando o templo sagrado da ópera.

O que acontece aqui não é um mero concerto de "sons da natureza". É uma

ocupação sônica, uma curadoria radical que funciona como um manifesto.

Liderado por uma vanguarda de artistas sonoros e cientistas, o projeto

desafia a própria razão de ser do teatro. Ao substituir as partituras de Verdi

e Wagner pelas vocalizações da fauna e pela hidrografia amazônica, eles

propõem uma nova e desconfortável questão: quem são os verdadeiros

maestros da Amazônia?

A arquitetura, neste ato, torna-se o instrumento principal. Projetado para

projetar a ária de um tenor até a última galeria, o espaço reage a esses

sons de maneiras inesperadas. A acústica impecável isola o chamado de

um pássaro com uma clareza operística, revelando complexidades

melódicas que seriam abafadas pelo ruído verde da mata. O murmúrio do

Encontro das Águas, gravado no ponto exato onde o Negro e o Solimões se

tocam sem se misturar, adquire a profundidade de um coro de violoncelos.

O Teatro deixa de ser um recipiente para se tornar um ressonador, um

instrumento de madeira e gesso que interpreta a ecologia, forçando-nos a

ouvir não apenas os sons, mas a própria textura do espaço que os envolve.