O som não vem do palco, mas de todos os lugares e de lugar nenhum. Ele
goteja da cúpula pintada com anjos e desce pelas colunas retorcidas. Logo
depois, um grave ressonar preenche a plateia, uma vibração profunda que
parece emanar do próprio assoalho: a comunicação subaquática de um
boto cor-de-rosa. A percussão miúda da chuva sobre as folhas largas de
uma samaúma cria uma tapeçaria rítmica. Não há orquestra, apenas o
pulso bruto da floresta ocupando o templo sagrado da ópera.
O que acontece aqui não é um mero concerto de "sons da natureza". É uma
ocupação sônica, uma curadoria radical que funciona como um manifesto.
Liderado por uma vanguarda de artistas sonoros e cientistas, o projeto
desafia a própria razão de ser do teatro. Ao substituir as partituras de Verdi
e Wagner pelas vocalizações da fauna e pela hidrografia amazônica, eles
propõem uma nova e desconfortável questão: quem são os verdadeiros
maestros da Amazônia?
A arquitetura, neste ato, torna-se o instrumento principal. Projetado para
projetar a ária de um tenor até a última galeria, o espaço reage a esses
sons de maneiras inesperadas. A acústica impecável isola o chamado de
um pássaro com uma clareza operística, revelando complexidades
melódicas que seriam abafadas pelo ruído verde da mata. O murmúrio do
Encontro das Águas, gravado no ponto exato onde o Negro e o Solimões se
tocam sem se misturar, adquire a profundidade de um coro de violoncelos.
O Teatro deixa de ser um recipiente para se tornar um ressonador, um
instrumento de madeira e gesso que interpreta a ecologia, forçando-nos a
ouvir não apenas os sons, mas a própria textura do espaço que os envolve.