Edição 9 - Port - Amazônia - Brazil

Há obras que se veem e outras que se sentem. As aquarelas de

Sonia Scalabrin pertencem à segunda categoria. Olhar para

elas não é apenas um ato de contemplação, mas um convite à

imersão em um universo onde a cor tem memória e a água,

espírito. Para a edição especial Amazônia da ArtNow Report,

mergulhamos no processo criativo desta artista que não pinta

a floresta, mas dialoga com ela em uma linguagem de

silêncios, fluxos e tons profundos.

A relação de Sonia com a arte é uma jornada de mais de

quatro décadas, consolidada por uma sensibilidade cromática

que transcende a representação. Mas é no encontro com a

Amazônia que sua poética visual ganha uma nova dimensão,

mais visceral e sagrada. Quando questionada sobre a cor da

alma amazônica, a artista a descreve não como um matiz, mas

como uma entidade: “um verde que brota das profundezas, que

se mistura às águas escuras e silenciosas, pulsando entre luz e

sombra, cor viva, densa cheia de mistério e vida.”

Essa percepção revela o cerne de seu trabalho: a arte como um

portal para o invisível. Em suas mãos, a aquarela, um meio que

exige entrega e aceitação, torna-se o veículo perfeito para

traduzir uma natureza que não se deixa domar. A água,

elemento central da técnica, conecta-se espiritualmente aos

rios da floresta. “Na aquarela, a água é essência que guia e

transporta sentimentos através dos pigmentos”, reflete Sonia,

“assim como os rios na floresta, que fluem livres, carregando

vida, revelando caminhos invisíveis e conectando tudo ao redor

com

suavidade,

força

e

mistério.”

Cada

pincelada

se

transforma em um gesto de comunhão com esse fluxo

sagrado.

A formação em Arteterapia oferece a Sonia um olhar que

enxerga

além

da

paisagem.

Para

ela,

a

Amazônia

é,

simultaneamente, fonte de cura e um ser que clama por

cuidado. Essa dualidade pulsa em sua obra. Ao pintar uma

onça, por exemplo, a artista não busca apenas a imagem, mas

a presença. “Na fluidez da água, a onça não é domada, aos

poucos ela se revela altiva e formosa transmitindo uma

sensação incrível de força e poder.” Foi um exercício de escuta,

de traduzir o silêncio e a força em pigmento e água.

Esse silêncio, aliás, é um dos grandes ensinamentos que a

floresta lhe deu. Não a ausência, mas "uma presença profunda",

povoada por sons sutis que se transformam em ritmo no

gestual de suas pinceladas. O farfalhar das folhas vira um traço

leve; o movimento do vento, uma mancha fluida; o canto dos

pássaros, uma vibração suave de cor.