Há obras que se veem e outras que se sentem. As aquarelas de
Sonia Scalabrin pertencem à segunda categoria. Olhar para
elas não é apenas um ato de contemplação, mas um convite à
imersão em um universo onde a cor tem memória e a água,
espírito. Para a edição especial Amazônia da ArtNow Report,
mergulhamos no processo criativo desta artista que não pinta
a floresta, mas dialoga com ela em uma linguagem de
silêncios, fluxos e tons profundos.
A relação de Sonia com a arte é uma jornada de mais de
quatro décadas, consolidada por uma sensibilidade cromática
que transcende a representação. Mas é no encontro com a
Amazônia que sua poética visual ganha uma nova dimensão,
mais visceral e sagrada. Quando questionada sobre a cor da
alma amazônica, a artista a descreve não como um matiz, mas
como uma entidade: “um verde que brota das profundezas, que
se mistura às águas escuras e silenciosas, pulsando entre luz e
sombra, cor viva, densa cheia de mistério e vida.”
Essa percepção revela o cerne de seu trabalho: a arte como um
portal para o invisível. Em suas mãos, a aquarela, um meio que
exige entrega e aceitação, torna-se o veículo perfeito para
traduzir uma natureza que não se deixa domar. A água,
elemento central da técnica, conecta-se espiritualmente aos
rios da floresta. “Na aquarela, a água é essência que guia e
transporta sentimentos através dos pigmentos”, reflete Sonia,
“assim como os rios na floresta, que fluem livres, carregando
vida, revelando caminhos invisíveis e conectando tudo ao redor
com
suavidade,
força
e
mistério.”
Cada
pincelada
se
transforma em um gesto de comunhão com esse fluxo
sagrado.
A formação em Arteterapia oferece a Sonia um olhar que
enxerga
além
da
paisagem.
Para
ela,
a
Amazônia
é,
simultaneamente, fonte de cura e um ser que clama por
cuidado. Essa dualidade pulsa em sua obra. Ao pintar uma
onça, por exemplo, a artista não busca apenas a imagem, mas
a presença. “Na fluidez da água, a onça não é domada, aos
poucos ela se revela altiva e formosa transmitindo uma
sensação incrível de força e poder.” Foi um exercício de escuta,
de traduzir o silêncio e a força em pigmento e água.
Esse silêncio, aliás, é um dos grandes ensinamentos que a
floresta lhe deu. Não a ausência, mas "uma presença profunda",
povoada por sons sutis que se transformam em ritmo no
gestual de suas pinceladas. O farfalhar das folhas vira um traço
leve; o movimento do vento, uma mancha fluida; o canto dos
pássaros, uma vibração suave de cor.