Médico e artista. São apenas nomes para descrever alguém que cuida com as mãos e
com a alma. Alguém que passou por hospitais, fronteiras esquecidas e aldeias indígenas,
e que aprendeu, com o tempo e a escuta, que há dores que a ciência não alcança. Foi
ali, no silêncio das comunidades ribeirinhas, no calor úmido da mata, que Farley
compreendeu que a arte é, também, uma forma de cura.
Sua arte não é um refúgio da ciência, mas a sua continuação por outros meios, o laudo
visual de um corpo que ele conhece intimamente: a Amazônia. Para ele, a arte de cuidar
e a de criar "não se separam", e cada tela é a manifestação de um diagnóstico
conduzido com o rigor de um cientista e a empatia de um médico que testemunhou a
vida pulsar nas aldeias mais profundas da floresta.
Seu olhar é clínico. Quando analisa a Amazônia, ele vê os sintomas de uma doença
sistêmica em "ponto de desequilíbrio". As "clareiras florestais" não são vazios na
paisagem, são lesões na pele do planeta. A "poluição dos rios" pelo mercúrio não é um
problema ambiental, é a evidência de um "processo cíclico e irreversível" de
envenenamento, uma intoxicação que se acumula nos tecidos de todos os seres vivos.
Ele não pinta a floresta idealizada que gostaríamos de ter, mas o corpo doente que ele
auscultou.
A profundidade de seu diagnóstico vem de uma anamnese que nenhuma universidade
poderia ensinar. Sua imersão na medicina indígena revelou o estado original de saúde
do paciente: o "respeito ao lar (a floresta) e o uso consciente de seus recursos". Essa
sabedoria ancestral é o parâmetro de normalidade perdido, o que torna a patologia
atual ainda mais trágica. Sua arte nasce da consciência aguda dessa fratura entre a
memória de um corpo em equilíbrio e a realidade de um organismo ferido.
Uma vez feito o diagnóstico, qual é a prescrição? A arte. Farley acredita que ela
"transforma, metamorfoseia, lapida e esculpe o ser humano". Suas telas, com seus "tons
em verde, azul, amarelo e vermelho", não são uma representação da floresta, mas uma
transfusão de sua essência vital. São uma tentativa de injetar a "identidade do natural"
de volta na consciência coletiva, uma prescrição de beleza e memória como ferramenta
para o reequilíbrio. O gesto do artista e o toque do médico se unem na mesma ética:
"respeito, capacidade técnica e precisão".
Sua obra nos confronta com uma lucidez brutal. Farley reconhece que os termos
"diagnóstico e prognóstico revelam uma doença já instalada". Sua arte não oferece,
portanto, uma solução mágica. Ela é o laudo que nos obriga a encarar a gravidade da
condição. E a prescrição final não está nas cores, mas no chamado à ação que elas
inspiram. A esperança, para ele, reside em "preservar e reflorestar" como formas de
"reduzir os impactos já causados". Sua arte não nos oferece a imagem do restauro, mas
o receituário para a nossa sobrevivência.