A arte de Carla Barros não nasce de uma tela em branco, mas do ruído branco do nosso
tempo: o fluxo infinito de imagens que define a experiência contemporânea. Sua gênese
como artista, ocorrida em meio ao isolamento pandêmico, é a metáfora perfeita para sua
prática: no confinamento do mundo físico, ela descobriu a vastidão do éter digital, não
como um espaço de escape, mas como um território a ser escavado. Com a sensibilidade
de uma surrealista e a precisão de uma editora, ela não cria imagens; ela as liberta de seus
contextos originais para construir ecossistemas poéticos que mapeiam a nossa psique
coletiva.
Seu processo é uma forma de arqueologia digital. Ao se deparar com uma fotografia, ela vê
não o que ela é, mas o que ela pode se tornar – a primeira camada de uma narrativa
latente. Armada com um arsenal de mais de 80 aplicativos, que ela maneja com a destreza
de um mestre artesão, Carla se entrega a um ritual de fotomanipulação, colagem e
transposição. É crucial notar sua deliberada recusa da inteligência artificial generativa. Seu
trabalho é uma afirmação da intuição humana, um ato de curadoria íntima e manual no
caos de dados, uma intervenção de seu "eu não-lógico, não cartesiano" no coração da
máquina.
A validação dessa linguagem singular não tardou. O que começou como um "hobby
terapêutico" rapidamente se projetou para o epicentro do circuito artístico global, com
exposições em Nova Iorque, Barcelona e Cascais. Essa rápida ascensão internacional não é
acidental; é o reconhecimento de que sua obra fala uma língua universal. Ela traduz a lógica
fragmentada de nossa era digital – a experiência de viver em múltiplas janelas, em uma
sobreposição de memórias e desejos – para uma gramática visual que é, ao mesmo tempo,
estranhamente familiar e profundamente reveladora.
É aqui que sua arte ultrapassa a técnica para se tornar filosofia. “Estamos sempre em
construção ou remodelação, assim como uma imagem ao ser editada”, afirma a artista.
Esta é a chave para decifrar seu trabalho. Suas obras não são produtos finais; são
processos congelados, a topografia visível de uma psique em constante devir. Contemplar
uma de suas criações é um ato de reconhecimento. Sua obra funciona como um espelho:
não reflete nosso rosto, mas a arquitetura fragmentada de nossa mente.
Instagram: @photoart_by_carla