A arte de Adelaide Pinheiro Lima não começa com um gesto, mas com um diagnóstico. Para
compreender sua obra, é preciso entender que a tela é apenas a etapa final de um
processo que se inicia muito antes, no consultório de uma médica que ausculta corpos e no
divã de uma psicanalista que interpreta almas. Sua prática artística não é uma terceira
profissão; é a fusão das duas primeiras, uma metodologia singular para examinar a psique
do mundo. E a paciente em seu estado mais urgente é a Amazônia.
Nascida no Pará, sua conexão com a floresta é de origem, não de visita. Seu olhar clínico a
impede de ver a Amazônia como uma paisagem. Ela vê um organismo, uma fisiologia
complexa de rios-veias, copas-pulmões e, crucialmente, de patologias — as feridas abertas
do desmatamento, a febre das queimadas. Sua abordagem não é a de uma artista que
busca a beleza, mas a de uma médica que primeiro identifica a doença para depois poder
vislumbrar a cura.
É com a profundidade de uma psicanalista que ela mergulha no trauma desse corpo. A
Amazônia, para Adelaide, possui um inconsciente. Ela é a "memória corporificada" do
planeta, uma "mãe, uma força geradora e resiliente que mesmo cansada nos oferece seu
abraço". O realismo que permeia sua obra não é, portanto, um mero exercício técnico; é a
lente de aumento com que a psicanalista-artista focaliza a superfície visível para revelar as
memórias, os traumas e os desejos que pulsam por baixo dela.
Uma vez feito o diagnóstico, qual é a prescrição? A arte. Suas cores não são uma
representação literal, mas a manifestação da pulsão de vida (Eros) em sua luta contra a
pulsão de morte (Thanatos) que ameaça a floresta. Suas telas, povoadas por uma fauna e
flora carregadas de simbolismo, são a projeção de um "mundo ideal", a visão de uma
Amazônia curada, uma catarse necessária após a confrontação com a ferida. Sua arte é a
receita para a saúde da alma do mundo.
Essa metodologia se sintetiza, enfim, no próprio ato de pintar. Cada tela se torna o laudo da
médica, que expõe a patologia do bioma com a precisão de um exame, e a interpretação
da psicanalista, que traz à luz os símbolos do inconsciente da floresta. Suas cores e formas
não são, portanto, uma fuga da realidade. São a própria prescrição: a manifestação da
pulsão de vida, um receituário poético para que um planeta, adoecido em sua matéria e
traumatizado em sua memória, possa continuar a sonhar.
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