Edição 9 - Port - Amazônia - Brazil

A arte de Adelaide Pinheiro Lima não começa com um gesto, mas com um diagnóstico. Para

compreender sua obra, é preciso entender que a tela é apenas a etapa final de um

processo que se inicia muito antes, no consultório de uma médica que ausculta corpos e no

divã de uma psicanalista que interpreta almas. Sua prática artística não é uma terceira

profissão; é a fusão das duas primeiras, uma metodologia singular para examinar a psique

do mundo. E a paciente em seu estado mais urgente é a Amazônia.

Nascida no Pará, sua conexão com a floresta é de origem, não de visita. Seu olhar clínico a

impede de ver a Amazônia como uma paisagem. Ela vê um organismo, uma fisiologia

complexa de rios-veias, copas-pulmões e, crucialmente, de patologias — as feridas abertas

do desmatamento, a febre das queimadas. Sua abordagem não é a de uma artista que

busca a beleza, mas a de uma médica que primeiro identifica a doença para depois poder

vislumbrar a cura.

É com a profundidade de uma psicanalista que ela mergulha no trauma desse corpo. A

Amazônia, para Adelaide, possui um inconsciente. Ela é a "memória corporificada" do

planeta, uma "mãe, uma força geradora e resiliente que mesmo cansada nos oferece seu

abraço". O realismo que permeia sua obra não é, portanto, um mero exercício técnico; é a

lente de aumento com que a psicanalista-artista focaliza a superfície visível para revelar as

memórias, os traumas e os desejos que pulsam por baixo dela.

Uma vez feito o diagnóstico, qual é a prescrição? A arte. Suas cores não são uma

representação literal, mas a manifestação da pulsão de vida (Eros) em sua luta contra a

pulsão de morte (Thanatos) que ameaça a floresta. Suas telas, povoadas por uma fauna e

flora carregadas de simbolismo, são a projeção de um "mundo ideal", a visão de uma

Amazônia curada, uma catarse necessária após a confrontação com a ferida. Sua arte é a

receita para a saúde da alma do mundo.

Essa metodologia se sintetiza, enfim, no próprio ato de pintar. Cada tela se torna o laudo da

médica, que expõe a patologia do bioma com a precisão de um exame, e a interpretação

da psicanalista, que traz à luz os símbolos do inconsciente da floresta. Suas cores e formas

não são, portanto, uma fuga da realidade. São a própria prescrição: a manifestação da

pulsão de vida, um receituário poético para que um planeta, adoecido em sua matéria e

traumatizado em sua memória, possa continuar a sonhar.

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