Os rostos de Gui Prada não apenas olham — eles questionam. Surgem do silêncio do
papel como se fossem fragmentos de um planeta em colapso, partes de uma
consciência maior que se recusa a desaparecer. Neles, não há pose. Há denúncia,
espanto, memória e humanidade. Em pinceladas rápidas, riscadas com o gesto urgente
de quem entende o valor do agora, o artista imprime expressões que despertam — e por
isso, tocam profundamente.
Natural de Limeira, interior de São Paulo, Gui construiu uma trajetória marcada por
atravessamentos — entre a publicidade e a arte, entre o rigor técnico e a liberdade do
instinto, entre a cidade e a mata. Publicitário de formação, com mais de duas décadas
dedicadas à criação gráfica, ele reencontrou na arte seu território vital. A gravura, o
grafite, a pintura e o desenho o acompanharam desde cedo, mas foi a retomada da
produção artística em 2005 que acendeu definitivamente sua linguagem visual — uma
linguagem que ousa, provoca e busca sentido.
Foi nesse processo que conheceu Iberê Camargo — e a experiência não passou ilesa.
Encontrar-se com um dos maiores nomes da arte brasileira do século XX, em seu ateliê
em Porto Alegre, foi um ponto de inflexão. Gui lembra: “Algumas conversas eram
tranquilas; em outras, ele trabalhava freneticamente por horas. Mas havia sempre
verdade.” Esse convívio informal com Iberê, expandiu seu olhar sobre o gesto e a urgência.
E essa urgência, hoje, ecoa em cada traço seu.
A Amazônia, para ele, não é paisagem — é veia aberta do país, organismo em risco.
“Representar e defender este organismo é tarefa de muita responsabilidade e urgência”,
afirma. Seu olhar não romantiza a floresta: reconhece nela uma entidade viva, ameaçada
pela cobiça de alguns e indiferença de muitos. “Até que ponto meu ritmo de vida e
consumo estão contribuindo para a degradação da Amazônia?”, provoca. A cor vermelha,
que deveria evocar o urucum, hoje é manchada por sangue — metáfora visual que
permeia sua paleta.
Gui, com sua habitual franqueza, resume: “Meu trabalho é fácil, comum. Retratos. Gente.
Expressões. Mas olhe de frente, olho no olho. Todas têm algo a dizer.” E é nesse convite que
reside o cerne de sua obra. Não se trata apenas de ver — é preciso dialogar. Com os
rostos, com a floresta, com a ausência. Tudo está ali, esperando por um olhar desperto.
A arte de Gui Prada não consola — desperta. Não enfeita — provoca. É gesto e é
consciência.
Em
tempos
de
urgência
ambiental,
desumanização
crescente
apagamento das culturas originárias, sua obra se impõe como um gesto de presença.
“Um gesto, arrisca um risco, e outro: des-construção. Sujeira à beira do caos. Sugestão de
liberdade.” É dessa tensão que nasce sua estética. E é nessa fricção que sua arte se
inscreve: como espelho, alerta e semente.