Edição 9 - Port - Amazônia - Brazil

Enquanto o discurso comum se contenta com metáforas simplistas, a arte de Maria Lúcia

Montemór exige uma inteligência mais profunda do olhar. Ela recusa a imagem da

Amazônia como "pulmão do mundo" para nos apresentar algo mais complexo: um sistema

vital, crucial para o ciclo hidrológico, a regulação do clima e a manutenção da

biodiversidade. Sua arte, da mesma forma, opera como um órgão simbólico: não para

respirar, mas para circular. Em suas telas, ela cria uma linguagem alicerçada em "células"

de cor, um visual carregado de significado que transcende a aparência para investigar a

própria essência da vida.

Sua técnica de eleição, o "derramado", é a materialização perfeita dessa filosofia. Em um

processo que abraça o fluxo e o acaso controlado, a artista cede parte de sua autoridade à

própria matéria, permitindo que a tinta encontre seu curso. A tela se transforma em um

leito de rio, onde as cores são depositadas como sedimentos de significado, criando uma

topografia própria. Essa abordagem não é acidental; é a escolha ideal para uma artista

que vê a Amazônia não como inspiração, mas como "um meio... e um fim" para investigar a

complexidade da condição socioambiental.

Dentro de Maria Lúcia Montemór, habitam duas forças em constante e produtiva tensão. De

um lado, a Educadora, com sua voz "indignada, rebelde, revoltada", que sente a

necessidade de "gritar" e denunciar. Do outro, a Artista, que busca "espaços de equilíbrio,

paciência, até mesmo compreensão". A beleza em suas telas não é um escape, mas uma

forma de protesto. Como ela mesma entende, a beleza pode ser "provocativa e

revolucionária", uma celebração da vida que, em si, é o mais potente ato de defesa de sua

existência.

Seu engajamento é alicerçado em conhecimento, não apenas em sentimento. O olhar da

artista-pesquisadora vai além da imagem clichê do desmatamento para alcançar as

complexidades da biopirataria — os "larápios da nossa biodiversidade" — e para honrar o

papel "heroico" dos povos da floresta. Sua arte não apenas sente; ela sabe.

Maria Lúcia Montemór

A Arte que Sabe