Edição 9 - Port - Amazônia - Brazil

Para compreender a obra de Márcia Girardi, é preciso abandonar a ideia de

que o ateliê é um lugar de criação espontânea. Seu espaço de trabalho é,

antes de tudo, um laboratório, e sua prática, uma continuação da pesquisa

por outros meios. Com uma trajetória acadêmica consistente e relevante

(Mackenzie, UNICAMP, USP), Márcia não é uma artista que se inspira na

natureza; ela é uma intelectual que pensa com a natureza. Sua obra é uma

forma de conhecimento, uma arqueologia da matéria que escava as

camadas de memória, ruína e resiliência contidas no mundo natural.

Nascida em São Paulo, sua trajetória é marcada por uma consistência rara.

Desde suas primeiras participações em espaços de prestígio como a “III

Bienal de Santos” e “II Concurso Nacional da Accademia Internazionale d’Arte

Moderna no Brasil”, até mostras recentes em galerias de vanguarda como a

ArtLab Gallery, sua presença no circuito artístico é constante. Essa sólida base

prática foi aprofundada por uma imersão intelectual igualmente rigorosa

(Mestrado,

Doutorado

e

Pós-doutorado),

estruturando

uma

artista

pesquisadora em sua forma mais completa.

Márcia não cria a partir de uma tela em branco. Sua superfície inicial é o

mundo em fratura, a história que se acumula nas camadas do solo e nos

vestígios do que foi apagado. Sua trajetória acadêmica e artística – marcada

por décadas de pesquisa, ensino e produção – é parte indissociável de sua

criação. O rigor do pensamento encontra na matéria uma extensão física, e é

a partir dessa fusão que sua obra respira.

É um pensamento nutrido por interlocutores como Anselm Kiefer e Frans

Krajcberg, com quem esteve em Nova Viçosa durante sua pesquisa. A partir

deles, Márcia Girardi desenvolveu uma poética visual comprometida com o

elo entre arte, ecologia, gesto e reflexão. Sua abordagem, no entanto, vai

além da denúncia: propõe a reconstrução de sentidos por meio da reunião de

fragmentos — materiais, históricos e simbólicos — que, em suas mãos, se

tornam sementes de novos futuros.

Na presença de seus trabalhos, não se trata apenas de olhar. É necessário ler

as texturas, decifrar as cicatrizes, intuir os silêncios. A paisagem ali não é

representação — é corpo. Terra queimada, madeira crua, pigmentos naturais

e estruturas orgânicas compõem seu vocabulário visual. Cada material

escolhido carrega consigo uma narrativa, um vestígio da história que a

artista transforma em arte.

Instagram: @marciagirardi.arte