Para compreender a obra de Márcia Girardi, é preciso abandonar a ideia de
que o ateliê é um lugar de criação espontânea. Seu espaço de trabalho é,
antes de tudo, um laboratório, e sua prática, uma continuação da pesquisa
por outros meios. Com uma trajetória acadêmica consistente e relevante
(Mackenzie, UNICAMP, USP), Márcia não é uma artista que se inspira na
natureza; ela é uma intelectual que pensa com a natureza. Sua obra é uma
forma de conhecimento, uma arqueologia da matéria que escava as
camadas de memória, ruína e resiliência contidas no mundo natural.
Nascida em São Paulo, sua trajetória é marcada por uma consistência rara.
Desde suas primeiras participações em espaços de prestígio como a “III
Bienal de Santos” e “II Concurso Nacional da Accademia Internazionale d’Arte
Moderna no Brasil”, até mostras recentes em galerias de vanguarda como a
ArtLab Gallery, sua presença no circuito artístico é constante. Essa sólida base
prática foi aprofundada por uma imersão intelectual igualmente rigorosa
(Mestrado,
Doutorado
e
Pós-doutorado),
estruturando
uma
artista
pesquisadora em sua forma mais completa.
Márcia não cria a partir de uma tela em branco. Sua superfície inicial é o
mundo em fratura, a história que se acumula nas camadas do solo e nos
vestígios do que foi apagado. Sua trajetória acadêmica e artística – marcada
por décadas de pesquisa, ensino e produção – é parte indissociável de sua
criação. O rigor do pensamento encontra na matéria uma extensão física, e é
a partir dessa fusão que sua obra respira.
É um pensamento nutrido por interlocutores como Anselm Kiefer e Frans
Krajcberg, com quem esteve em Nova Viçosa durante sua pesquisa. A partir
deles, Márcia Girardi desenvolveu uma poética visual comprometida com o
elo entre arte, ecologia, gesto e reflexão. Sua abordagem, no entanto, vai
além da denúncia: propõe a reconstrução de sentidos por meio da reunião de
fragmentos — materiais, históricos e simbólicos — que, em suas mãos, se
tornam sementes de novos futuros.
Na presença de seus trabalhos, não se trata apenas de olhar. É necessário ler
as texturas, decifrar as cicatrizes, intuir os silêncios. A paisagem ali não é
representação — é corpo. Terra queimada, madeira crua, pigmentos naturais
e estruturas orgânicas compõem seu vocabulário visual. Cada material
escolhido carrega consigo uma narrativa, um vestígio da história que a
artista transforma em arte.
Instagram: @marciagirardi.arte