A história da arte está repleta de imagens que olham para os povos indígenas. A arte de
Bernardo David é sobre quando eles nos olham de volta. O rosto que estampa a capa da
ArtNow Report Internacional não é um objeto de contemplação etnográfica; é um sujeito que
nos interpela. A técnica hiper-realista, aqui, não serve à vaidade do virtuosismo, mas a um
propósito mais profundo e radical: tornar a presença daquela criança tão inegável, tão
visceralmente humana, que qualquer distância — geográfica, cultural, histórica — entra em
colapso. Esta é a essência do trabalho de Bernardo David: usar a precisão como ferramenta
para a dignidade, transformando a pintura em um ato de reconhecimento.
Essa maestria não nasceu nas academias, mas foi forjada no tempo lento de Tiradentes, a
cidade histórica mineira para onde se mudou na adolescência. Ali, em ateliês e na varanda
de casa, ele aprendeu a "observar tudo ao seu redor", desenvolvendo uma disciplina e uma
paciência que se tornariam a assinatura de sua obra. Sua técnica virtuosa não é o fim, mas o
veículo para uma busca mais profunda: a da essência por trás da aparência.
O hiper-realismo, em suas mãos, torna-se uma forma de reverência. Em um
mundo de imagens rápidas, descartáveis e que muitas vezes exotizam os povos
originários, dedicar horas para capturar a singularidade de um rosto é um ato
que é, ao mesmo tempo, poético e político. É um gesto de profundo respeito, que
devolve ao retratado o tempo e a atenção que lhe são historicamente negados.
Ao pintar os povos da Amazônia, Bernardo não está documentando uma etnia;
ele está usando sua maestria para imortalizar a força, a individualidade e a
humanidade de cada pessoa.