A trajetória de Renata de Iudicibus revela um paradoxo fascinante: por mais de três décadas,
sua vida profissional foi dedicada à arquitetura da palavra, ao rigor editorial que constrói
narrativas lineares. No entanto, em seu ateliê, essa guardiã da estrutura se entrega a um
ritual de desconstrução. Autodidata, ela pinta como quem respira: sem a mediação do
cálculo, mas com a intensidade de quem decifra a si mesma com precisão. Seu método é a
antítese do controle; é uma rendição coreografada ao instinto, onde a tela não é um destino,
mas um ponto de trânsito para a energia que precisa se manifestar.
Suas composições são estratigrafias do íntimo, flutuando entre o abstrato e o figurativo, o
orgânico e o gestual. A artista não busca representar: ela provoca, evoca, convida à
ressonância. Em suas paletas, o calor dos tons terrosos e acobreados domina — como se
cada obra surgisse da terra, do âmbar, do tempo. O dourado, recorrente, não é ornamento: é
luz ancestral. Quando necessário, Renata mergulha em azuis e cinzas silenciosos, uma pausa
cromática para respirar. Sua arte é mutável, mas essa mutação é coerente, pois responde ao
que é mais fundamental: o presente emocional.
Essa mesma entrega se aprofunda quando transforma memórias em pintura. Ao criar a partir
de fotografias ou histórias pessoais, o faz sem nunca se afastar de sua identidade estética.
Ao contrário: imprime ainda mais verdade às camadas de cor, transformando a memória
alheia em um evento presente e visceral. O gesto, nesses casos, ganha um peso quase solene
— como se cada pincelada costurasse lembranças ao tecido do agora.
A prova irrefutável de que sua obra ultrapassa o campo visual materializou-se em Nova
Iorque, quando a tela "Magma" se tornou a gênese de um concerto. O evento foi uma epifania
crítica: a música não se "inspirou" na tela; ela decodificou sua frequência. A tela não era um
tema, mas a própria partitura, a notação visual de uma vibração que pôde ser traduzida em
som.
Renata de Iudicibus não busca o belo decorativo. Seu compromisso é com a autenticidade
do sentir. Por isso, suas obras provocam mais do que admiração — provocam identificação. O
espectador não vê apenas uma tela: ele se reconhece nela, ou deseja se reconhecer. Sua
força reside precisamente aí: na coragem de devolver ao mundo o valor essencial do que é
intuitivo, subjetivo e inegociavelmente livre.